No meio do caminho tem 4,2 mil imóveis
Impasse nas desapropriações, uma polêmica de quase R$ 650 milhões, transforma-se no principal obstáculo para grandes obras com que BH se prepara para o Mundial
*Estado de Minas - 13 de junho de 2011
Vila da Luz, às margens do Anel Rodoviário,
é uma pequena amostra do problema na rodovia,
que tem milhares de famílias em área invadida
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) tem que transpor 4,2 mil obstáculos para conseguir pavimentar o caminho da cidade até a Copa’2014. O número corresponde aos imóveis hoje erguidos nas áreas dos projetos viários do município. Restando três anos para o evento, esse se tornou o principal entrave para o cumprimento dos prazos do cronograma de obras, superando dificuldades comuns no caso de intervenções públicas, como a falta de recursos ou empecilhos burocráticos com licitações. Sem acordo em parte das negociações com os proprietários, o caminho para cada impasse é a Justiça, o que significa atraso no início das construções – que em casos extremos pode se arrastar por anos –, além da possibilidade de aumento no valor das indenizações, já estimadas em quase R$ 650 milhões, praticamente o mesmo montante previsto para a obra de modernização do Mineirão. Por sua vez, os contribuintes que estão no meio do caminho das obras se queixam da tática usada pelas equipes do município para retirá-los, baseada no que classificam como pressão psicológica.
Para execução de cinco das principais intervenções viárias previstas para a capital mineira até a Copa’2014, a prefeitura tem que contornar esse impasse – além de enfrentar outros que não dependem do município, como o congelamento determinado pelo governo federal no anúncio dos R$ 18 bilhões destinados pelo PAC da Mobilidade Urbana às cidades-sede. Muitas das famílias hoje estabelecidas no caminho das obras resistem, alegando que o valor ofertado pelo município está abaixo do determinado pelo mercado. É o pontapé inicial para a batalha judicial a fim de definir quanto vale o imóvel.
O procurador-geral do município, Marco Antônio Teixeira, explica que é preciso distinguir entre remoção e desapropriação. No primeiro caso, trata-se de um problema de cunho social, em que famílias de baixa renda ocupam irregularmente propriedades públicas, demandando esforço na política habitacional para solucionar o déficit de moradias. Já a segunda situação é a negociação com famílias e comerciantes para compra de imóveis legalizados, mas situados em locais estratégicos para a execução de obras.
Em relação às remoções, o principal alvo são as famílias que construíram na faixa de domínio do Anel Rodoviário. A estimativa é de que só lá sejam 3 mil imóveis irregulares, mas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) nem sequer tem um levantamento preciso do número de habitações. A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) questiona o entendimento conceitual do governo federal no que tange às remoções. “Não é viável indenizar quem invade. Não se trata de uma reposição de bens. Senão, é até uma forma de incentivar invasões, o que prejudica a política local de habitação. A rigor, quem invade não deveria ganhar nada. É uma questão de política social. Se a questão é moradia, a prefeitura tem que construir casas”, afirma Marco Antônio Teixeira. Caso os invasores sejam tratados como proprietários, a alegação da prefeitura é de que o valor seria exorbitante. Por isso, documento entregue pelo prefeito de BH e vice-presidente da FNP, Marcio Lacerda (PSB), pede que seja revista a instrução normativa que trata do cálculo do valor mínimo das indenizações.
Quanto às desapropriações, é preciso negociar a venda de imóveis para cinco obras: a nova rodoviária do Bairro São Gabriel; as linhas de BRT das avenidas Pedro I-Antônio Carlos e Pedro II-Carlos Luz; além da construção das vias 210 (unindo a Via do Minério e a Avenida Tereza Cristina) e 710 (ligando as avenidas dos Andradas e Tereza Cristina). Ao todo, mais de 1,2 mil desapropriações devem ser feitas, isso sem considerar as do BRT Pedro II-Carlos Luz, obra que ainda não tem projeto pronto.
O problema apontado pela Frente Nacional de Prefeitos e pelos municípios se resume ao modelo de cálculo para valor do imóvel para fins de indenização. A legislação em vigor é de 1941, do governo do presidente Getúlio Vargas, e estabelece que a referência para estipular o preço da indenização é o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). “O IPTU é o valor venal do imóvel, não significa que seja o valor de mercado, o que propicia um movimento especulativo, por causa da informação das obras”, diz o procurador-geral de Belo Horizonte. Ele acrescenta que, em casos de ações judiciais, os peritos contratados para estipular o valor do imóvel levam em conta, entre outros critérios, anúncios de jornal com preços sugeridos, e não o preço efetivo de venda. “Isso pode levar, inclusive, a um movimento especulativo orquestrado, induzindo ao aumento do valor para beneficiar donos de imóvel”, critica.
Tentando mudar o quadro, os prefeitos das cidades-sede da Copa’2014, em reunião com a presidente Dilma Rousseff, pediram que seja editada medida provisória (MP) tornando a base de cálculo para desapropriações o Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos (ITBI). A justificativa é de que, assim, o valor do imóvel seria baseado em transações efetivas e, segundo o procurador-geral, não transformaria o orçamento e o cronograma em reféns da Justiça. Além disso, seria possível dar mais celeridade à discussão do valor do imóvel, que, atualmente, pode demorar alguns meses e, em casos mais complexos, até anos.
No segundo item do documento entregue à presidente, os prefeitos pedem que a garantia de posse nos casos de desapropriação de imóveis para obras da Copa do Mundo seja dada ao poder público mediante depósito judicial do valor integral de avaliação usado para cálculo do ITBI, independentemente de eventual continuidade da ação de indenização. Ou seja, no caso de impasse sobre valor estipulado, a briga judicial prossegue, mas a desapropriação já terá sido efetivada, abrindo caminho para a obra.
Contribuinte denuncia pressão
Donos de imóveis que constituem obstáculo às obras acusam a Prefeitura de BH de agir com deslealdade e oferecer indenizações até 50% abaixo do valor de mercado
Loja de pneus na Avenida Pedro I representa somente
um dos impasses para intervenções do corredor rápido de trânsito (BRT)
Valores abaixo dos estipulados pelo mercado imobiliário, ameaças verbais e pressão psicológica. Essas são as denúncias de comerciantes e moradores insatisfeitos com a forma como são tratadas as negociações de desapropriação para obras da Copa’2014 pela Prefeitura de Belo Horizonte, acusada de agir com “deslealdade”. Diante do desentendimento quanto a valores e métodos de ação, o caminho encontrado pelos contribuintes vem sendo a Justiça, esfera em que já começa a se desenhar a maior barreira para o projeto da capital mineira. “É uma situação desleal. A prefeitura usa da força do poder público para brigar com uma ou duas pessoas. Quem tem estrutura menor aceita, mas o prejuízo para os maiores empreendimentos também é maior”, crítica Frederico Fonseca, dono da loja de pneus Recaminas e um dos cerca de 60 comerciantes da Avenida Pedro I que tentam judicialmente obter valores maiores em relação à proposta do município.
O empresário sustenta que a tática usada pela prefeitura é baseada na pressão psicológica. As negociações começaram há 60 dias. Equipes do município, sustenta, ofereceram um terço do valor dos imóveis. Diante da indignação dos comerciantes, houve promessa de nova proposta, mas, depois de um mês, a prefeitura entrou na Justiça. “Eles oferecem pouco e fazem ameaças verbais, como: ‘Vamos desapropriar toda a rua e te deixar sozinho’”, relata Fonseca, argumentando que a indenização proposta não ultrapassa 70% do valor de mercado. No caso da Recaminas, com 1,5 mil metros quadrados de terreno, a oferta não atingia a metade do que o dono considera o preço real, o que o obrigaria a comprar uma loja num ponto menos movimentado e de valor bem inferior.
Inconformado, ele rejeitou a oferta do Executivo municipal e, apesar de saber que terá de sair do local, luta para conseguir um valor “perto do justo”. Nos próximos dias, um perito deve avaliar o imóvel. O novo valor será apresentado ao juiz e a prefeitura analisará se aceita fazer o depósito do montante. Caso concorde, o valor em espécie fica disponível e é a vez de o dono do imóvel avaliar se concorda com a quantia definida pelo perito. Se novamente não houver acordo, é preciso recorrer ao Tribunal de Justiça. Por último, a avaliação é feita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas, antes de se bater o martelo quanto ao valor a ser pago, a partir do recurso de segunda instância, a posse do imóvel é repassada à prefeitura, para que a obra não seja muito retardada. “É um briga que se arrasta por mais de cinco anos. Mas a Justiça entende que é possível sacar 80% do valor depositado em juízo enquanto a ação tramita”, diz Frederico Fonseca.
Diferente da posição dos donos da Recaminas, a família Marra preferiu aceitar a proposta da prefeitura. Sócio da empresa de saúde antes localizada no número 645 da Avenida Pedro I, Igor Marra diz que ele e os irmãos receberam pouco mais da metade do valor cotado pelo mercado imobiliário. “A gente não entra na Justiça, porque vai demorar mais para receber o mesmo tanto. Se for mais, é uma mixaria que vai ser paga dentro de muito tempo”, afirma. Eles foram os primeiros a serem desapropriados para o alargamento da avenida e futura instalação do ramal Pedro I-Antônio Carlos do sistema BRT. “Não tinha alternativa. Era sair por bem ou por mal”, diz Marra, que herdou do pai a empresa criada há mais de duas décadas e teve que mudar o ponto para a Avenida Portugal.